A cidade não está nada deserta e alguém escreveu o nome delas por toda a parte: na Ribeira, no Bonfim, em Cedofeita, na Foz, até no São João. Em todo o lado essa palavra, repetida ao exponente da loucura: alojamento local. São pequenas e transparentes, mas não passam despercebidas a ninguém. Desde 2014 que as placas de AL se tornaram uma tendência na cidade do Porto e a moda tem-se vindo a alargar. O Esfera foi conhecer os três lados do fenómeno: a Câmara, os habitantes e os proprietários.
Apesar de novo, rapidamente ganhou fama. Hoje em dia, todos conhecem o conceito de alojamento local. Da década de 1950 e das fotos que dela existem, reconhece-se apenas o traçado das principais ruas da cidade e dos seus monumentos característicos. Há alguns anos que a tendência se tem vindo a confirmar: cada vez habitam, realmente, menos pessoas na baixa portuense. Outrora sede de várias empresas e bancos, o centro histórico foi-se esvaziando, até que se tornou perigoso circular na área.
Mas como se poderia revitalizar a zona? As companhias aéreas low-cost e as revistas e plataformas online de turismo foram a “solução”.
Durante alguns anos, foi-se desenvolvendo na cidade uma relação simbiótica entre esse crescimento turístico e as políticas de comodidade a ele adaptadas, às quais se foram juntando outras, cujo objetivo era estimulá-lo ainda mais. Não existem números certos quanto à população residente habitual, mas é certo que a quantidade de pessoas que pernoita na Baixa diariamente aumentou.
Sustentados pela expansão turística e de maneira a responder-lhe, os vários negócios nasceram, reapareceram ou modificaram-se e o centro histórico da cidade do Porto voltou a ganhar vida.
Para um aumento da procura, houve resposta da oferta. Mas é impossível ignorar os desenvolvimentos tecnológicos, que, rapidamente, chegaram ao setor da hotelaria e turismo e viabilizaram a criação de plataformas de reserva online global, como, por exemplo, a Booking. O acesso fácil à globalidade era agora uma possibilidade e surgiu um ensejo para o nascimento de novos modelos de negócio assentes na perceção de que existia potencial de oferta, até aí, inexplorado. É, neste momento, que surge o conceito de alojamento local.
Devido ao seu estatuto de novidade e diferente funcionamento face aos métodos de hospedaria tradicionais, não havia regras e leis adaptadas ao AL. Quando se começaram a denotar consequências negativas do crescimento turístico – como o aumento de preços e o aumento das rendas, aliadas às várias histórias de pessoas “despejadas” das suas casas para estas se tornarem AL – exigiram-se à Câmara do Porto respostas.
O lado da Câmara
Alojamento local: Regulamentação
Em Portugal, a regulação do alojamento local tem evoluído ao longo dos anos. A mais
recente alteração - a Lei nº 62/2018, a 22 de Agosto de 2018 estabeleceu várias medidas novas. Entre elas, destacam-se a criação de áreas de contenção para a instalação de novos AL e possibilidade da assembleia de condomínios se opor ao funcionamento de um AL caso este esteja integrado num prédio urbano suscetível de utilização independente. Para além disso, a fiscalização dos estabelecimentos deixou de estar apenas ao encargo da ASAE e passou a ser também responsabilidade da Câmara Municipal.
No Porto, a proposta de regulamentação do Alojamento Local ainda não foi aprovada, mas, segundo Ricardo Valente, vereador da Economia, Turismo e Comércio da Câmara do Porto, a versão final estará pronta até ao final do ano.
No entanto, desde 24 de julho, existem zonas de contenção “maioritariamente localizadas no centro histórico, e, em menor grau, na freguesia do Bonfim”. Esta decisão tem um prazo máximo de seis meses e pode ser prolongada por mais seis meses, ou até à entrada em vigor do Regulamento de Alojamento Local, que define a criação de zonas de contenção com especificidades diferentes consoante a pressão corrente do alojamento local nessa área.
De acordo com Ricardo Valente, o objetivo não é proibir, mas sim conceber algo “inteligente, que crie um mercado que não garante uma renda certa”, que não crie um monopólio, porque “sempre que se proíbe, está-se a proibir a umas e a permitir a outras [pessoas] e para mim essa não é a solução”.
“Tal como existem zonas industriais, também existem zonas habitacionais e outras naturalmente turísticas”, explicou Ricardo Valente. Assim, não pode existir uma cidade “com vida, noite e diversão, com pessoas a morar. Não é possível ter pessoas a morar nas ruas das Galerias de Paris. Temos de ter uma cidade multifuncional”, concluiu.
Não existem “soluções perfeitas”, mas a solução apresentada no Regulamento é a criação de zonas de contenção no Porto, com três graus diferentes – zona condicionada (vermelha), com pressão superior a 50%; zona preventiva (laranja), com igual ou superior a 37,5% e inferior a 50%; e zona transigente (amarela), igual ou superior a 25% e inferior a 37,5%.
Mesmo condicionadas, será possível instalar novos alojamentos locais nas áreas de contenção em cinco situações. Podem ser autorizados novos AL desde que “tenham por objeto a totalidade do edifício, fração autónoma ou parte do prédio urbano que estejam declaradas totalmente devolutas há mais de três anos”, ou que tenham “sido objeto de obras de reabilitação, realizadas nos últimos dois anos, permitindo subir dois níveis de conservação”.
Será também autorizado em situações em que, nos últimos dois anos, “tenha mudado o respetivo uso de logística, indústria, para habitação e serviços” ou “em novos edifícios construídos na sequência da demolição de um edifício com fundamento em péssimo estado de conservação, ou em risco de derrocada.” E por fim, quando a modalidade de exploração de alojamento é a de “quartos”. Estas exceções não são válidas em edifícios arrendados há menos de 3 anos.
Há ainda uma restrição em relação ao tempo de exploração nas áreas de contenção condicionada, preventiva e transigente - de dois, quatro e seis anos, respetivamente. Além disso, foram definidas Zonas Turísticas de Exploração Sustentável (verdes), que correspondem a zonas cujo indicador de pressão do AL é inferior a 25%.
vlho”, explicou Ricardo Valente.
Apesar do boom do alojamento local no Porto ter causado alguns constrangimentos e repercussões negativas na cidade, para o vereador, não podemos ignorar os efeitos positivos do alojamento local. “O Porto hoje é uma cidade que se requalificou do ponto de vista patrimonial, social, cultural, gastronómico e do ponto de vista da qualificação das pessoas”, disse.
“A lógica é que em vez de proibir, estamos a criar mediadores para gerir e procurar unir as pessoas. Em vez de termos as pessoas em conflito, procuramos que elas vivam melhor.”
Rui Moreira partilha da mesma opinião, defendendo que o AL “mesmo no centro histórico, não deve ser diabolizado, porque teve um impacto enorme na reabilitação urbana”, disse ao Dinheiro Vivo.
Segundo um estudo da Católica Porto Business School, em 57% dos edifícios onde se fez alojamento para turistas, morava gente antes. Quando questionado acerca do assunto, Ricardo Valente disse que não há muito a fazer em relação a isso, num país com propriedade privada – “eu tenho direito a ter uma casa, e arrendar uma casa, e tenho direito a, no fim do contrato, dizer à pessoa que não a quero lá mais. Eu tenho este direito, do mesmo modo a que tenho direito a ter o meu carro e só entra no meu carro quem eu quero”.
Uma outra medida do Regulamento do Alojamento Local no Porto é a criação de um mediador do AL. Esta figura mostra-se necessária, visto que “muitos dos problemas do alojamento local decorrem de problemas de convívio entre as pessoas.”
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