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O lado dos habitantes no fenómeno do Alojamento Local

O Esfera foi à Rua do Pinheiro, composta quase na totalidade por alojamentos locais, conhecer o lado dos habitantes e comerciantes que lá permanecem.

Foto: Catarina Moscoso

A rua do Pinheiro, em Cedofeita, é uma das tantas que, pela cidade do Porto, se foi enchendo de placas com as iniciais “AL”. Nos últimos anos, os portuenses foram saindo e o lugar deixado por eles foi ocupado por turistas.


Pelas ruas, as opiniões divergem, mas uma coisa é certa: ninguém se imagina a abandonar o seu cantinho no centro da Invicta.


José Oliveira, de 55 anos, nasceu e viveu sempre, até recentemente, na rua do Pinheiro. Hoje

Foto: Catarina Moscoso

em dia, vive em Vila Nova de Gaia, mas volta todos os dias à rua da sua infância para trabalhar na encadernação, negócio aberto pelo pai há mais de 50 anos naquele lugar. Ali trabalha desde jovem, com os irmãos, e recorda o tempo em que as pessoas se conheciam todas umas às outras. “Só quem era daqui é que por aqui transitava. Dificilmente passavam aqui pessoas diferentes, estrangeiras”, afirma.


Nesta rua no centro do Porto, a 8 minutos da Torre dos Clérigos, o ambiente era, como o encadernador descreve, do “género bairrista”. Os prédios eram todos habitados por portuenses e refere ainda que as pessoas que ficavam ali, “nunca mais saíam”. Ou assim desejavam.


Reportagem áudio por Adriana Pinto e Cristiana Rodrigues


Com a chegada do Alojamento Local (AL), comenta que sentiu grandes mudanças na rua. “Agora é uma diferença abismal, não tem nada a ver. As pessoas que aqui viviam tiveram de sair. Já tinham alguma idade, os prédios também já estavam velhos e eles [senhorios] venderam-nos”.


Por esse motivo, acha que “começa a ser demais”. “Fazer Alojamento Local num prédio onde não exista ninguém, tudo bem. Agora onde existem moradores…”.

Refere que ele próprio também já morou ali (antes de ir para Gaia) e que tinha um apartamento comprado onde dormia para ir trabalhar no dia seguinte. “Levava ali com os turistas de noite, não dá. É muito complicado. Acho que já é demais. Tanto Alojamento Local e hotéis numa cidade tão pequena...”, reforça.


Umas casas mais à frente na rua, mora Maria Ferreira, de 51 anos, que vive na rua do Pinheiro desde que nasceu.

“Em qualquer lado, turistas. Na Ribeira, é turistas. Aqui à noite, isto é um movimento louco, coisa que não era antes. Antes era tudo lojas, agora é tudo bares, tudo muito movimentado por juventude”

Quando questionada sobre como era o ambiente na rua há uns anos, compara-o a uma ilha, onde toda a gente se conhece. “Era aqui que fazíamos as nossas brincadeiras, fomos criados todos aqui na rua, era um ambiente muito bom”.


Refere que os poucos que ainda ali habitam se dão muito bem. Mas admite que com a chegada do Alojamento Local já não há oportunidade para se construir esse tipo de conexão. “A gente não conhece. Uns chegam, outros saem. Não se cria grande relação”, acrescenta.

Considera que o AL está a tirar a essência do Porto, pois “metade dos habitantes do Porto tiveram de sair do centro da cidade, onde viviam, para as periferias”.

“Em qualquer lado, turistas. Na Ribeira, é turistas. Aqui à noite, isto é um movimento louco, coisa que não era antes. Antes era tudo lojas, agora é tudo bares, tudo muito movimentado por juventude”, explica.


Foto: Catarina Moscoso

Maximino Canhola vive naquela rua há 17 anos. Antes morava na Praça da República, onde viveu durante 25 anos. “A casa era pequenina, a nossa canalha cresceu e precisávamos de lhes dar condições. Apareceu aqui um preço porreirinho e comprámos”.

“A gente não sai daqui”

Contudo, e apesar de aquela ser, há 15 anos, a casa da família de Maximino, todos os dias são-lhe deixadas na caixa do correio inúmeras propostas para comprar a casa. “Eu respondo sempre que a casa já está vendida. Eles dizem-me «Já?» e eu respondo «Sim, fui eu que a comprei»”.


“Há uns anos, a gente andava pelo Porto e tinha até receio porque quase não havia pessoas, mas agora o que é certo é que já me senti mais feliz, antes deste movimento”, assume o portuense de 74 anos.


Considera que a cidade está mais segura, mas desenraizada. Reconhece como aspeto positivo a reabilitação das casas, de forma a torná-las mais seguras, mas sente que o Porto está a perder a sua identidade.


Para Maximino, não vale a pena insistirem: “A gente não sai daqui”.


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