Creio que todos ainda se lembram que em 2015 o Charlie Hebdo foi atacado e vários trabalhadores morreram. Nessa altura, o mundo uniu-se numa só voz, ou melhor dizendo numa só Hashtag - #JeSuisCharlie - para defender o direito à liberdade de expressão que foi gravemente tentado. O direito de falar e, neste caso, satirizar, o que quisesse, mesmo que isso fosse contra a sua opinião.
Este ano, na véspera de natal, o mesmo aconteceu com a sede da Porta dos Fundos. O motivo: uma sátira especial de Natal lançada na Netflix a 3 de dezembro. “A primeira tentação de Cristo” representa Jesus como um jovem a descobrir a homossexualidade e insinua ainda que Maria e José tiveram um triângulo amoroso com Deus. Eu diria que tem tanto potencial para ser ofensivo como a ilustração do Charlie Hebdo de Maomé como um bombista suicida.
A única diferença entre estes dois ataques é que, felizmente, neste não existem vítimas mortais. Porém, o atentado à liberdade de expressão mantém-se. Onde está a hashtag agora? Agora que a sátira não recai sobre um Deus que não nos diz nada, que vive para lá das fronteiras ocidentais.
Durante este mês, já surgiu uma petição, que conta com mais de 2 milhões de assinaturas, para retirar o programa da Netflix, queixas à justiça brasileira sob acusação de afronta aos mandamentos constitucionais e uma avalanche de críticas nas redes sociais. Até Eduardo Bolsonaro, filho do presidente do Brasil, acusou a Netflix de " atacar cristãos". É sempre muito fácil defender a liberdade de expressão quando concordamos com o que está a ser dito ou então não nos faz diferença de todo. Mas quando o assunto nos toca, o cenário muda.
É também importante referir que este atentado não se prende só com o facto de se satirizar Jesus, mas sim com o pormenor de ele ser homossexual. No especial de natal do ano anterior, foi retratada a última ceia com várias substancias ilícitas, prostitutas e ainda o suicídio de Judas. Claramente a homossexualidade é muito mais perturbadora e uma afronta maior para o conceito de família tradicional e para a religião cristã do que drogas e afins.
Como ateia, confesso que não me ofende nem uma nem outra. Contudo, compreendo quem tenha ressentido o programa. Existe uma solução muito fácil para isso: não ver. Não ver, não ler, não comprar o que quer que seja. Porque o que foi defendido em 2015 foi muito bem defendido. A liberdade de expressão é um direito fundamental para vivermos em sociedade. De preferência, civilizada. O importante é manter essa atitude de forma coerente com todos os acontecimentos. Pode parecer uma tarefa difícil, mas basta dois dedos de testa, uma dose de senso comum e 5 segundos para pensar antes de fala ou agir. Muito fácil, prometo.
Comments