Chegou o dia mais esperado do ano. E não, não estou a falar do Natal, Páscoa ou Ano Novo, estou a falar dos saldos, a altura em que as pessoas se tornam animais irracionais, e os centros comerciais autênticas selvas.
Semanas de preparação antecipam o dia D, semanas em que os shoppings estão repletos de gente, mas as caixas registadoras vazias. Os predadores aguardam impacientemente, mirando as suas presas que mais tarde irão caçar.
Chega então o grande momento. Dez da manhã as portas abrem e a loucura começa. Correm, espezinhando e empurrando quem se encontra no caminho, ouvem-se grunhidos e rugidos. Lutas são geradas em disputa pela mesma peça, ou pela espera, nas filas que se prolongam por toda a loja até à saída.
O espaço é virado do avesso, roupas que estavam anteriormente dobradas e penduradas de maneira cuidada e harmoniosa são arremessadas e atiradas pelo ar, acabando a sua trajetória no chão, ou em qualquer local que não o delas.
Tudo o que era branco está agora manchado com base e batom, todos os botões foram arrancados, as peças mais delicadas são agora meros trapos rasgados e os sapatos estão já todos riscados.
As lojas viram autênticos cenários de guerra, e no final do dia, após o fecho, parecem paisagens pós apocalípticas. Um silêncio estranho, após horas de insanidade, e uma longa noite de arrumações pela frente.
Funcionários de loja são atacados. Ora porque estão a demorar uma eternidade, que para os predadores é qualquer valor acima dos cinco minutos, ora porque não conseguem encontrar a camisola que um outro predador escondeu num canto, ou simplesmente abandonou numa pilha aleatória.
Olhos revirados e ataques selvagens são já tradição dos saldos. Ameaças e insultos, viraram música ambiente. “Pessoas” que dias antes celebravam e partilhavam mensagens de amor e solidariedade, matam-se por mais um par de calças e um vestido de lantejoulas, que vão usar uma vez na viragem do ano, ou no aniversário da Maria.
Crianças choram e gritam, suplicando aos pais que as retirem daquele ambiente caótico, mas são continuamente ignoradas. Descontroladas com o sono, atiram-se para o chão em birra, ou destroem tudo à sua volta, numa tentativa de chamar a atenção. Apenas tentativa. Os pais, tão focados em bens materiais, ignoram o bem estar dos filhos, e das restantes pessoas que são forçadas a lidar com a gritaria.
Percorrem quilómetros e gastam longas horas no trânsito insano e parques de estacionamento lotados para poupar dois euros naquele top de alças cor de rosa que nem é o tamanho certo, ou naqueles sapatos pretos que nem são assim tão bonitos, mas que por menos dois euros já valem a pena.
Dão as doze baladas no relógio que ditam o fim do primeiro dia de saldos. As grades fecham-se lentamente, permanecendo entreabertas durante uns bons vinte minutos, aguardando a saída daqueles que tudo fazem para prolongar a sua estadia.
Ouvem-se suspiros de alívio e cansaço de quem passou, o que pareceu uma eternidade, a arrumar, distribuir e atender, recebendo apenas ingratidão em troca.
O desgaste físico, e sobretudo mental, é notório. São 3 da manhã quando chegamos à tão esperada cama. Uma noite mal dormida, de alguma maneira, chega (ou tem de chegar) para recuperar todas as energias. Porque às dez da manhã as portas erguem-se de novo e o caos volta, cada vez com mais força.
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