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Writer's pictureAdriana Pinto

Kanye West, 'Jesus is King': Amar a Deus e a si mesmo

O nono e muito antecipado álbum de Ye chegou para fazer as delícias de alguns e os desencantos de muitos.


KANYE WEST / G.O.O.D MUSIC / DEF JAM 2019

O regresso ao olho público e ao Twitter anunciava-o: estava para chegar um novo projeto de Kanye West. Desde o começo dos Sunday Services que os fãs esperavam um tipo de álbum diferente; após um ano de luto pelo natimorto 'Yandhi', finalmente recebemos um novo filho nas mãos.


O auto intitulado “melhor artista humano de todos os tempos” nunca escondeu o seu lado cristão. A agora profética “Jesus Walks” foi a música que o lançou para os holofotes do mundo; o próprio Kanye imbuiu a figura do criador final na sua identidade em 'Yeezus'; em 2016 deambulou pelo gospel em 'The Life of Pablo' e até fechou o colaborativo 'Kids See Ghosts', do ano passado, a implorar a Deus para iluminá-lo e salvá-lo com a sua luz.


A religião não é, de todo, estranha para Kanye, mas desta vez é diferente; é um renascimento. Apesar de, estritamente estilisticamente falando, 'Jesus is King' não ser um álbum de gospel, o seu firme apelo à devoção é a característica que o define. O escopo aqui é estreito, uma destilação que claramente traz a Kanye um certo conforto, mas que não deixa de trazer consigo a simplificação da música em si.


Getty Images / Kevin Winter

Tal como em todos os seus outros álbuns, 'Jesus is King' tem os seus momentos de inegável brilhantismo. Embora esteja a ser considerado uma entrada claramente leve no seu repertório, o LP lembra-nos que mesmo o trabalho mais inferior de West é capaz de um dinamismo extremo. “Follow God” – a faixa mais musicamente reminiscente do old Kanye – é o tipo de murro texturado que, ainda, só o artista sabe dar; o triunfo efervescente do beat da “On God”, o resultado de uma colaboração com o produtor mais falado do momento, Pi’erre Bourne, é um dos prazeres mais imediatos disponíveis no Spotify neste momento; “Shelah” e “Use This Gospel” são os exemplos mais óbvios da paisagem sonora expansiva a que um Kanye de máscara e calças de couro nos habituou em 2013.


No entanto, a força desses momentos é frequentemente prejudicada pela urgência do próprio West. Apesar de manter um layout temático e estável (ainda que superficial), a fraca mistura – cuja suposta melhoria foi a causa do atraso de 13 horas na hora de lançamento – e o lirismo extremamente simplista do álbum exacerbados, em especial, na faixa-meme “Closed on Sunday” revelam a maneira como o álbum é relativamente minúsculo no seu cerne.


Se a missão de West era converter os ouvintes ao Cristianismo, ele terá de mergulhar um pouco mais fundo. Para além das referências superficiais a passagens bíblicas e ao consumismo americano, não há nenhuma indicação face ao que significa realmente seguir Jesus, sem contar com as experiências pessoais de Kanye, das quais consta, por exemplo, ter recebido 68 milhões de doláres de IRS como “dádiva de Deus”. Falta a 'Jesus is King' a graça, justiça e amor que caracterizam a fé no seu estado mais puro e transformativo. Ao longo das suas onze faixas e 27 minutos, o álbum não incorpora nem um terço da alma de “Ultralight Beam” – a faixa inaugural de 'The Life of Pablo', de 2016.


Desde que chegou ao mundo da música que o trabalho de Kanye é responsável por expandir a estrutura imaginária dos ouvintes através da crítica social, cultural, económica, política e até espiritual. Até então, ou principalmente até 2016, os seus projetos eram sempre um ponto de viragem na música, na moda e na cultura, no geral. Cada palavra saída da sua boca ou dos seus dedos era quase imediatamente impressa em t-shirts, postada em todo o lado como palavra de Deus, colocada nas biografias das redes sociais e por aí.


Seria puramente errado negar o seu reinado geracional neste ponto, mas a realidade é que o poder de Kanye para esticar as nossas visões e imaginações já não está lá. Agora limita-se a colorir à volta delas e a borrifá-las com água benta.

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