Antes do concerto de Natal no Super Bock Arena, o Esfera conversou com Rui Veloso. Desde o início da paixão pela música até à sua fórmula para criar melodias e passando ainda pelos inconvenientes de ser conhecido.
O relógio marcava as 17h52 e os preparativos, para aquela que se adivinhava uma noite de reencontros, iam a meio. O nervosismo era palpável, assim como a vontade de fazer o melhor concerto pela cidade que vira crescer Rui Veloso. O sentimento era semelhante ao do filho que regressa a casa e espera ouvir dos pais manifestações de orgulho.
O pavilhão estava vazio, mas o ambiente era de azáfama. No camarim, o calor e a mesa cheia de doces não apaziguavam o desassossego das horas que antecediam a grande noite. Rui Veloso, contudo, sentava-se numa plena inquietude enquanto falava com a honestidade que lhe é tão característica.
Nasceu em Lisboa, viveu no Porto …
Até aos 22 anos!
Hoje vive em Sintra.
Pelo menos há 25 anos que vivo em Sintra.
O que sente quando regressa ao Porto?
É um regresso a casa, como diz a canção. A gente está a vir para casa, não é? Sítios muito familiares, é a cidade que me viu crescer. É mesmo isso, é um regresso a casa.
Como nasceu o gosto pela música? É uma paixão que partilha com a família?
Sim, partilho com a família. O meu pai tinha isso, a minha mãe também gosta muito, o meu avô que eu me lembre, a minha avó … Sim! Mas aquilo estava lá, eu não sei, já nasceu comigo num gene qualquer, foi uma coisa de genética.
Ainda se lembra qual foi o primeiro instrumento que tocou?
Sim, a harmónica quando era pequenito... Com 6 ou 7 anos comecei a dar uns jeitos na harmónica.
Com que idade é que depois passou para a viola?
Com 14, 15 anos.
Sente que a sua música é um reflexo da sua personalidade?
É, claro, só pode ser. A maneira como eu faço as músicas tem a ver com a minha experiência como ouvinte, não é? A música que ouvi e fui assimilando e depois me levou a procurar um instrumento para a manifestar... Deve ser uma forma de expressão qualquer, de extravasar sentimentos, coisas que uma pessoa tem cá dentro. E portanto é por aí.
Há por isso determinadas músicas que devem marcar determinadas fases da sua vida. Inspira-se em momentos da sua vida para escrever músicas?
Não, a música é uma coisa muita intuitiva em mim, portanto não…
Acha que, por exemplo, Os Mingos e os Samurais ou Rui veloso e os Amigos são álbuns que daqui a 50 anos continuarão a ser ouvidos?
Sei lá! Não me preocupo muito com isso sinceramente, já cá não vou estar. Se estivesse cá… Já cá não estou, portanto não me preocupa rigorosamente nada. Talvez sim, talvez não.
Mas sente que tem, nas suas músicas, alguma intemporalidade que vai fazer com que as pessoas continuem a ouvir?
Pois, isso está bem! Se formos a ver que hoje vou tocar músicas com 40 anos… Se formos por aí é provável que eu daqui a 10 anos esteja a tocar músicas com 50 anos.
Costuma ouvir músicas suas?
Não! Tenho mais coisas para ouvir, as minhas já as ouvi. De vez em quando ouço, só para rever, mas tenho sempre a impressão que as coisas estão mal. Eu estou sempre na esperança de ouvir uma música minha que me soe bem. Há umas que me soam bem e outras que não.
Torna-se cansativo?
Não, eu nunca me canso mas é frustrante não ter conseguido melhor.
É muito crítico de si próprio, então?
Sim. Eu também sou músico e ouço muita música feita fora de Portugal, com outro tipo de condições, outro tipo de educação musical, com produtores, com estúdios, com tudo... Cá ainda estamos um bocadinho na pré-história.
Cansa-se de cantar alguma música?
Há algumas que eu não canto porque não me apetece. Há outras que na boa, desde que a voz esteja boa, tudo bem.
Já falha a voz?
A voz falha por razões físicas, alergias e essas coisas que eu sempre tive.
Presumo que, às vezes, se canse um pouco de estar sempre debaixo dos holofotes e na mira do mundo mediático no geral. O que faz para se refugiar de tudo isso?
Não saio, saio pouco. Não vou a inaugurações, vernissages, essas coisas todas que os famosos adoram ir, eu não vou.
E saio de Portugal também, saio de cá...
Então o que gosta de fazer quando não está a trabalhar?
Gosto de fazer o que as pessoas fazem: ler, ouvir música, ver televisão, ver séries que eu adoro ver, documentário e tal... Vida normal.
Numa conversa com o Rui Unas disse que a fama é uma coisa que tira mais do que dá. O que é que sente que a fama lhe tirou?
Vida. Vida e, fundamentalmente, o que a fama tira é liberdade. Eu não sou uma pessoa livre em Portugal, não é? Não sou uma pessoa que possa estar numa bicha das finanças sem ser... Não é importunado, mas sem se meterem comigo, sem virem ter comigo, tirar fotografias, etc... Essas coisas todas. Isto pelo país todo. Claro que é um bocado cansativo... É muito cansativo!
Isto é há muitos anos assim e tenho menos paciência agora. Eu gosto de estar com a a pessoas mas a situação tira-me muita liberdade.
Sente que, por causa disso, evita, por exemplo, passear por Portugal e acaba a refugiar-se no estrangeiro?
É melhor, estou mais livre, é verdade. Em Portugal está-se bem... Saindo de Lisboa e do Porto, assim de grandes cidades, não há problema. Eu vou dar umas voltinhas de vez em quando e não há problema. Só nas grandes cidades é que é mais chato, há mais gente, é normal.
Como se prepara para os concertos?
Um bocadinho antes estamos todos juntos, mas é só.
É boa a relação com a banda?
É top. Vamos mudando, mas há alguns músicos que estão comigo há muitos anos, tipo 20 anos. O Zé Nabo há 40 quase. O Nanã há 30 e tal. O baterista há 30. Há um núcleo mais antigo que se mantém.
Há vários artistas portugueses que o ouvem e têm como referência. O que acha disso?
Acho que é, de alguma maneira, natural. Como eu tenho influências de outros músicos portugueses e estrangeiros, todos temos de ter alguém para quem olhar como mestre, como exemplo musical. Isso é uma coisa normal, é decorrente do facto de eu andar aqui há tantos anos, das músicas terem resistido ao tempo... Acaba por ser uma situação normal em qualquer país.
Acaba por ir buscar inspiração a essas gerações mais novas de músicos em Portugal? Revê-se em algumas das músicas que eles fazem?
Sim, há aí algumas coisas com interesse. Há outras que me interessam menos. Mas eu vou mais lá fora buscar sonoridades, exemplos... Aqui há uma ou outra coisa muito interessantes, mas também se ouve pouco, não se sabe onde é que se vai buscar, as televisões não transmitem tampouco, só dão pimba. Já foi pior, mas mesmo assim ainda está muito, ainda há muito "apimbalhamento". A rádio também transmite pouca música portuguesa. Para a que há, transmitem pouco. Especialmente a rádio nacional pública.
Qual foi o concerto mais marcante da sua vida?
Não sei, não tenho, foram tantos assim marcantes... Talvez a primeira parte do Paul Simon. Foi um concerto marcante e foi uma primeira parte, nem sequer foi um concerto meu. Foi meu, mas não era só eu. Estava a abrir para um grande artista. Aquilo já foi... Já andava eu há 11/12 anos na estrada. Foi em 90 e qualquer coisa. Portanto, já foi há 30 anos? Porra...
Com 2020 aí à porta, para si, qual foi o melhor álbum da década?
Eu não sou capaz de dizer só um álbum. Há muita coisa. Eu oiço tanta coisa e tanta coisa antiga. Nos últimos 10 anos não sei dizer... Eu oiço muita coisa de jazz e de funk... Não oiço muita pop music. A pop music hoje em dia não presta, cá. A maioria não presta. O rock alternativo, a maioria, não gosto, mas há algumas coisas boas.
Kommentit